Localizada no coração da Baixa de Maputo, a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, hoje conhecida como Fortaleza de Maputo, é um dos mais antigos marcos históricos do país. Construída no século XVIII e reconstruída em 1940, o edifício representa a evolução da história moçambicana entre a colonização, a resistência e a independência. No seu …
Fortaleza de Maputo: Uma ponte entre o passado e o presente

No coração da Baixa da Cidade de Maputo, encostada ao cais e rodeada pela agitação moderna da capital, ergue-se uma construção que parece arrancada de outro tempo, a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, hoje, conhecida simplesmente como Fortaleza de Maputo. Feita de pedra vermelha, com muros baixos e cantos maciços, a Fortaleza é uma biblioteca de pedra onde se lêem as camadas da história do sul de Moçambique, comércio, conquista, resistência e, hoje, memória.
Origens: entre holandeses, corsários e a chegada portuguesa
Antes de existir um forte português no local, no início do século XVIII os primeiros europeus a estabelecerem uma feitoria na baía foram os holandeses, que construíram um posto fortificado conhecido como Fort Lijdzaamheid. A experiência foi curta e amarga: surtos de doença e a hostilidade do ambiente deixaram a colónia fragilizada. Em abril de 1722 corsários ingleses atacaram e destruíram o posto holandês, episódio que marca o fim daquela tentativa inicial de dominar o entreposto.
Pouco depois, em contexto de rivalidades comercias e diplomáticas na costa sudeste africana, os portugueses ocuparam o local. Em 1782 foi fundado um presídio e instalada a feitoria de Lourenço Marques, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, começou a erguer-se a primeira versão do forte, em materiais simples (ramagem, terra) e com finalidade sobretudo simbólica, afirmar a presença portuguesa e proteger o entreposto.
Transformações, combates e a inscrição de 1791
Ao longo do fim do século XVIII e do século XIX o local conheceu ataques, negociações e reconstruções. Em 1785 houve um ataque de guerreiros do domínio Tembe que foi repelido com a ajuda de chefes locais, como o de Matola. Já a versão em alvenaria que vemos hoje, com planta quadrada, pátio central e compartimentos que se abrem sobre esse pátio resulta de reformas e reconstruções posteriores.
Símbolos controvertidos: estátuas, execuções e caminhos da memória
Dentro e em frente à Fortaleza inscreveram-se símbolos que contam histórias distintas. Em tempos coloniais houve a estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque, figura central da presença militar portuguesa no território, que ocupava um lugar de destaque até a independência. Relatos apontam para a existência de locais de execução e tensões entre a administração colonial e populações locais. Hoje, a Fortaleza conserva objetos militares, canhões e relevos, que dialogam com esse passado complexo.
Na Fortaleza, jazem também os restos mortais de Ngungunhane, chefe do Império do Gaza, trazidos da diáspora em 1985, gesto carregado de significado político e de reapropriação da história local.
Da ruína à réplica: a reconstrução de 1940 e o papel museológico
A versão que contemplamos hoje não é inteiramente a fortificação original do século XVIII. Ao longo do tempo o edifício sofreu degradação e, no contexto das celebrações do centenário, meados do século XX, foi reconstruído sobre as fundações originais. A reconstrução, realizada em torno de 1940, procurou reproduzir a traça antiga e, desde então, o edifício foi preservado como monumento nacional. Durante décadas abrigou um museu histórico-militar, e actualmente a gestão e utilização do espaço dialogam com instituições culturais e académicas, como a Universidade Eduardo Mondlane, que ajudam a manter a Fortaleza como pólo de memória e actividades culturais.
Arquitectura: simplicidade defensiva e materiais locais
Arquitectonicamente, a Fortaleza impressiona pela moderação, planta quadrada, muros de alvenaria vermelha, um único portão que dá para um pátio central quadrado. Os suportes são baixos, pensados para a artilharia da época, e o conjunto tem o carácter de um forte de entreposto comercial mais do que de uma cidadela de guerra prolongada. A cor avermelhada das pedras confere-lhe identidade visual imediata, contrapondo-a ao azul da baía e ao verde do pequeno jardim no seu interior. Canhões antigos, placas epigráficas e painéis escultóricos completam a experiência sensorial do visitante.
Fortaleza hoje: memória, turismo e prática cultural
Nos dias de hoje a Fortaleza de Maputo é mais do que um fragmento do passado colonial, é um espaço público onde se fazem eventos culturais, concertos, cerimónias e onde turistas e residentes procuram um contacto directo com a história. A sua localização central a torna um laboratório urbano, envolvida pela cidade moderna, mas também ponto de parada para quem quer entender a formação da capital. Projectos de conservação e pequenas intervenções museográficas têm procurado transformar o sítio numa ponte entre o passado e a contemporaneidade, convidando a uma leitura crítica do legado colonial e a valorização de narrativas locais.
A Fortaleza de Maputo é, em si, uma pergunta histórica. Como recordar um lugar que foi simultaneamente feitoria, presídio, símbolo de dominação e agora monumento público? A resposta não é única. Para alguns, ela é testemunho do passado colonial e de confrontos. Para outros, é recurso patrimonial que pode ser reescrito numa chave de resgate cultural, onde vozes antes silenciadas ganham espaço para reinterpretar a memória. A sua conservação e o modo como é narrada tornam-se, por isso, parte de um processo maior: o de construir uma memória plural e crítica sobre o presente e o passado de Moçambique.



