Arte Makonde: Um Símbolo de Identidade Além Fronteiras

Mais do que esculturas, a arte Makonde é uma linguagem que atravessa gerações. Originária do norte de Moçambique, esta tradição expressa a memória, a identidade e o orgulho de um povo que fez da madeira o reflexo da sua alma.

Ao atravessar a planície que conduz ao planalto de Mueda, no norte de Moçambique, é fácil imaginar por que a madeira se tornou mais do que matéria-prima para quem vive ali. É a pele que conta memórias, mitos, feridas e as alegrias de um povo. A arte Makonde, conhecida internacionalmente pelas esculturasde de pau preto, não é apenas objeto, é voz.

Origens e migrações: uma arte nascida na sombra do Ruvuma

Os Makonde são um povo banto cuja área tradicional se estende entre o sul da Tanzânia e o norte de Moçambique, especialmente em torno do planalto de Mueda. Historiadores e estudiosos traçam migrações e deslocamentos que os levaram para aquela região nos séculos XVII e XVIII, movimentos motivados por pressões externas, comércio e fugas dos traficantes de escravos. Essas mudanças de território ajudaram a moldar não apenas a organização social, mas também as práticas simbólicas e artísticas do grupo.

Antes do contacto europeu estabelecido, os Makonde produziam máscaras e objectos rituais ligados a cerimónias de iniciação e a outras práticas sociais. Foi no contacto com o mercado colonial e, mais tarde, com o comércio orientado para turistas e colecionadores que surgiram as formas que hoje associamos ao estilo Makonde internacional: peças de pequeno e médio porte, altamente trabalhadas, em madeira preta, destinadas ao consumo fora da comunidade.

O material e a técnica

Entrar numa oficina de escultor Makonde é entrar num reino de cheiros, pó de madeira, verniz e, às vezes, fumaça de fogo para curar a peça. A madeira mais famosa nas esculturas Makonde é o pau preto, que possibilita o polimento profundo e que dá às peças o aspecto de pedra evidente nas esculturas de museu. Além da madeira, o trabalho exige ferramentas simples: formões, facas, goivas e uma paciência herdada de gerações. A técnica tradicional evoluiu com o tempo, de objectos utilitários e rituais para peças de coleccionador e, depois, para experimentações mais modernas e conceptuais.

Há também uma marca visível do tempo recente, a economia do mercado global transformou o ofício. Algumas peças continuam a ser feitas para uso comunitário e práticas culturais, outras são concebidas para turistas e galerias, reflectindo gostos externos e, por vezes, novas narrativas que não existiam originalmente entre os Makonde.

Formas e significados: a “árvore da vida” e além

Um dos motivos mais reconhecíveis da escultura Makonde é a chamada “árvore da vida”, uma coluna de figuras humanas entrelaçadas, que pode representar genealogia, comunidade, solidariedade, ou simplesmente uma celebração da vida. Outras vertentes da produção incluem esculturas individuais muito expressivas e trabalhos mais experimentais que incorporam surrealismo, abstração e motivos contemporâneos. Essas variações mostram como a arte Makonde mantém-se viva, não é um monumento congelado, mas um diálogo com o presente.

Política, identidade e arte: das oficinas ao movimento de libertação

A história do século XX deixou marcas profundas no planalto onde os Makonde vivem. O processo de colonização portuguesa, as resistências locais e, posteriormente, a luta armada pela independência de Moçambique criaram contextos nos quais a figura do escultor e a circulação das suas obras ganharam novos sentidos. Em estudos sobre o período pós-colonial e sobre a produção artística em Moçambique, pesquisadores identificam como cooperativas de escultores e programas culturais do Estado pós-independência instrumentalizaram a arte como forma de afirmação nacional e, ao mesmo tempo, como fonte de rendimento e organização social para os artesãos.

A arte Makonde serviu, por vezes, como símbolo de orgulho cultural e também como produto de exportação, um paradoxo comum em muitos contextos pós-coloniais. A mesma peça que afirma uma identidade pode ser transformada em mercadoria para sustentar famílias inteiras.

O futuro: entre a tradição e a reinvenção

Se a arte Makonde foi moldada por movimentos humanos, pressões históricas e contactos transregionais, o seu futuro dependerá das decisões tomadas hoje: políticas de conservação florestal, apoio a escolas de arte locais, acesso a mercados justos e a valorização das narrativas trazidas pelos próprios artistas. A juventude Makonde que redesenha a árvore da vida com novos traços mostra que a tradição não é um peso, mas um ponto de partida para reinvenções.

A arte Makonde continua a ser uma mão que, ao tocar a madeira, lê a vida. Para perceber essa leitura precisamos de ver além do objecto e escutar os que trabalham, por vezes em silêncio, para que a madeira conserve voz.

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